domingo, 23 de janeiro de 2011

Fantasma Sai de Cena



Ganhador do prêmio Pulitzer em 1998- por Pastoral Americana- Philip Roth e seu alter-ego Nathan Zuckerman nos presenteia com mais um de seus romances de reflexão.

Fantasma sai de Cena, última obra do autor traduzida para o português, se passa em 2004, numa Nova York assustada pelo 11 de setembro e desiludida com a reeleição de George W. Bush.

É em meio a esse clima de agitação política e medo que Nathan Zuckerman retorna à Big Apple, após viver onze anos isolado numa cidadezinha da Nova Inglaterra. Com 71 anos, sofrendo as conseqüências de uma cirurgia para a remoção de um câncer de próstata, Zuckerman retorna à cidade para tentar controlar a incontinência urinária decorrente da cirurgia.O que era para ser apenas uma rápida passagem pela cidade se torna um conflito para o personagem.

Quando se depara novamente com a civilização e reencontra figuras do passado, Zuckerman, um famoso escritor de romances (o alter-ego assumido de Roth), passa por muitas situações que o fazem colocar em cheque suas convicções.

Seduzido pelo dinamismo das relações humanas que há anos havia decidido eliminar de sua vida, o escritor passa por uma crise existencial que o faz ficar dividido entre a escolha de voltar para o seu universo afastado do mundo real, ou recomeçar a viver.

Limitado pelo peso da velhice e do isolamento a que se impôs, Zuckerman acaba por descobrir que não é mais o mesmo herói convicto da juventude.

Com diálogos riquíssimos e reflexões sagazes sobre o tempo e o peso das nossas escolhas, o livro rende momentos de sabedoria e horas de envolvimento com a trama.

Um romance desses difíceis de largar. Ao mesmo tempo, desses que se prolonga para que dure o máximo de dias possíveis de leitura.

Para os que não forem compartilhar dessa obra, que promete ser o último romance da “dupla” Roth-Zuckerman, selecionei um trecho que vale a pena ser lido.

Amy Bellete, uma das personagens da trama, escreve essa carta ao jornal The New York Times ao ler uma matéria publicada sobre Ernest Hemingway.

Amy explica a Zuckerman o porquê da carta ao jornal:

“Um repórter foi até Michigan pra tentar encontrar as pessoas que foram os modelos dos contos de Hemingway passados na Península Norte. Aí eu escrevi uma carta pra eles dizendo o que eu achava disso.”

A carta:

‘Antigamente as pessoas inteligentes usavam a literatura para pensar. Esse tempo passou. Durante o período da guerra fria, na União Soviética e nos seus satélites na Europa Oriental, eram os escritores sérios que eram expulsos da literatura; agora, nos Estados Unidos, é a literatura que foi expulsa como influência séria sobre a percepção da vida. Hoje em dia, a maneira mais comum de utilizar a literatura, tal como se vê nas páginas de cultura dos jornais mais esclarecidos e nos departamentos de letras das universidades, é tão avessa aos objetivos da literatura criativa a às compensações que ela proporciona ao leitor de mente aberta, que seria melhor se a literatura não tivesse mais nenhuma utilidade pública.


O jornalismo cultural do seu jornal- quanto mais abundante ele se torna, pior fica. Assim que assumimos as simplificações ideológicas e o reducionismo biográfico do jornalismo cultural, a essência do artefato se perde. O seu jornalismo cultural não passa de fofocas de tablóide disfarçada de interesse pelas “artes”, e tudo aquilo que ele toca se reduz ao que não é. Quem é a celebridade, qual é o preço, qual é o escândalo? Quais as transgressões que foram cometidas pelo escritor, e não contra as exigências da estética literária, mas contra a filha, o filho, a mãe, o pai, o cônjuge, a amante, o amigo, o editor ou o animal de estimação? Sem fazer a menor idéia do que há de intrinsecamente transgressivo na imaginação literária, o jornalismo cultural só se preocupa com falsas questões éticas: “O escritor tem o direito de não-sei-quê?”. O jornalismo cultural é hipersensível com relação à invasão da privacidade perpetrada pela literatura ao longo dos milênios e ao mesmo tempo se dedica obsessivamente a expor em letra de forma, sem nenhuma ficcionalização, quem foi que teve a privacidade invadida e de que modo isso aconteceu. É impressionante a importância que os jornalistas culturais dão às barreiras da privacidade quando o que está em jogo é o romance.

Os primeiros contos de Hemingway se passam na Península Norte de Michigan, e por isso seu jornalista cultural vai até a Península Norte e faz um levantamento dos nomes dos moradores de lá que supostamente serviram de modelo aos personagens dos contos. Que surpresa: eles, ou seus descendentes, acham que foram prejudicados por Ernest Hemingway. Esses sentimentos, ainda que injustificados, infantis ou simplesmente imaginários, são levados mais a sério do que a ficção, porque para o seu jornalista cultural é mais fácil falar sobre eles do que sobre a ficção. A integridade do informante do jornalista jamais é questionada – só se questiona a integridade do escritor. O escritor passa anos trabalhando no texto, aposta tudo que tem no seu trabalho, escreve cada frase sessenta e duas vezes e no entanto não tem nenhuma consciência literária, compreensão, nem meta geral. Tudo que o escritor constrói meticulosamente, juntando trechos e detalhes, não passa de um truque, de uma mentira. O escritor não tem nenhuma motivação literária. Não tem nenhum interesse em representar a realidade. Suas motivações são sempre pessoais, e geralmente vis.

E essa descoberta é confortadora, pois revela que esses escritores não apenas não são superiores às outras pessoas, como afirmam ser- são piores ainda. Esses gênios terríveis!

O fato de que a ficção séria não permite a paráfrase e a descrição- e portanto requer pensamento é um incômodo para o seu jornalista cultural. Ele só leva a sério suas supostas fontes, apenas essa ficção, a ficção do jornalista preguiçoso. A natureza original da imaginação dos primeiros contos de Hemingway (uma imaginação que, num punhado de páginas, transformou o conto e a prosa norte-americana) é algo incompreensível para o seu jornalista cultural, cujos escritos utilizam as palavras honestas da língua inglesa para dizer bobagens. Se você disser a um jornalista cultural: “Dê atenção apenas ao conto em si”, ele não terá o que dizer. Imaginação? Isso não existe. Literatura? Isso não existe. Todas as peças delicadas- e mesmo as que não são tão delicadas assim- desaparecem. E só restam aquelas pessoas que ficaram magoadas por terem sido utilizadas por Hemingway. Será que Hemingway tinha o direito…? Será que algum escritor tem o direito…? Vandalismo cultural sensacionalista se fazendo passar pela dedicação à “arte” de um jornal responsável.

Se eu tivesse um pouco do poder que tinha Stálin, eu não o desperdiçaria silenciando os escritores criativos. Eu silenciaria aqueles que escrevem sobre os escritores criativos. Eu proibiria toda e qualquer discussão pública da literatura em jornais, revistas e periódicos acadêmicos. Eu proibiria o ensino da literatura em todas as escolas primárias, secundárias, faculdades e universidades do país. Eu proibiria grupos de leitura e discussões literárias na internet, eu policiaria as livrarias para impedir que os vendedores falassem aos clientes sobre os livros, e para que os clientes não ousassem falar uns com os outros. Eu deixaria os leitores a sós com os livros, para que tirassem suas próprias conclusões. Eu faria isso por quantos séculos fosse necessário, até desintoxicar a sociedade das tolices peçonhentas que vocês espalham.’


Amy Bellete

Páginas 177- 8- 9.

Aí fica uma reflexão aos simpatizantes do jornalismo cultural e aos que, como eu, desejam trabalhar no ramo. Texto polêmico, diz muitas verdades sobre a atividade jornalística cultural de atualmente.

Até o próximo post!

Maria Izabel da Silva

Roth, Philip. Fantasma Sai de Cena.Tradução de Paulo Henriques Britto-São Paulo: Companhia das Letras, 1a. edição (2008) brochura 14x21cm, 282 págs

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